Foi através da frase “Como a Target sabe o que você quer antes que você saiba” que meu interesse por Ciência de Dados surgiu.
Em 2018, enquanto morava em minha cidade natal, Barretos-SP, comecei a aprofundar meu trabalho com análise de dados em uma multinacional do ramo frigorífico.
Meu foco inicial era a criação e atualização de relatórios em Excel, mas, ao longo do tempo, comecei a explorar ferramentas mais avançadas, como o Power BI, para desenvolver dashboards que facilitassem a tomada de decisões.
Além disso, atuei junto ao setor de engenharia, utilizando consultas no SQL Server para otimizar processos e aumentar a produtividade na atualização dos relatórios.
Naquela época, iniciei a leitura do livro “O Poder do Hábito” do Charles Duhigg, e o capítulo 7 abordava a ideia da utilização de dados para compreender as pessoas.
Conteúdo
Meu interesse por Ciência de Dados e o caso Target
Meu interesse pela Ciência de Dados começou com uma história que parece saída de um filme de ficção científica, mas é bem real: o caso da Target.
Essa rede varejista, com suas 1.147 lojas e milhões de consumidores, mostrou ao mundo como o poder dos dados pode transformar estratégias de negócios e, ao mesmo tempo, levantar questões éticas importantes.
A Target vendia de tudo — alimentos, roupas, itens de jardinagem, eletrônicos — e, enquanto os consumidores realizavam suas compras, sem perceber, forneciam uma enorme quantidade de informações sobre si mesmos.
Muitos não faziam ideia de que suas compras, realizadas com cupons ou cartões de crédito, poderiam ser analisadas para criar perfis de consumo.
Foi essa combinação de dados e estratégia que chamou minha atenção.
Conforme o mercado varejista se tornava mais competitivo, as empresas perceberam que não podiam depender dos mesmos métodos antigos de marketing. Era preciso inovar. Para isso, o segredo estava nos dados.
A Target construiu um gigantesco armazém de informações para analisar hábitos de compra individuais. A ideia era simples: entender cada consumidor de maneira profunda e oferecer a ele produtos e promoções sob medida.
Isso significava usar dados para criar um marketing quase personalizado, atingindo preferências específicas e aumentando a lucratividade.
O processo de coleta de dados era direto. Cada comprador tinha um código de identificação que registrava suas compras.
Para muitos, isso lembra os cadastros em mercados e programas de pontos. Por exemplo, você faz um cadastro, acumula pontos ao comprar certos produtos e depois troca por itens gratuitos ou com desconto.
É algo comum e que a maioria de nós já vivenciou. Minha mãe, por exemplo, tem cadastro nesses programas. Graças a eles, conseguimos vários produtos úteis, como frigideiras, panelas e copos, sem gastar um centavo a mais.
O que a Target fez foi elevar essa prática a outro nível. Com os dados registrados, eles podiam identificar padrões de compra e prever o comportamento dos clientes.
Se alguém comprava cereais com frequência, mas nunca leite, a loja deduzia que o leite era comprado em outro lugar.
Assim, enviavam cupons de desconto direcionados para convencer o cliente a adquirir também o leite com eles. Era uma estratégia engenhosa e eficaz.
Essa história me fascinou porque demonstrava o potencial da análise de dados, mas também me fez refletir sobre os limites éticos desse poder.
Foi aqui que começou a minha jornada na Ciência de Dados: um campo onde tecnologia, estratégia e ética caminham lado a lado.
O Comércio de Dados
Porém, entre tantos modos e todas as vias possíveis de passar dos limites, a Target extrapolou comprando dados, isso mesmo, comprando dados.
Além de alguns dados que vemos comumente e que estavam nesse código de identificação, como: nome, idade, estado civil, endereço, quanto gastava em média e por aí vai, havia a compra de outros dados, como: tendências políticas dos consumidores, quantidade de carros que eles possuem e se preferem noticias religiosas ou descontos em cigarros.
São citados os nomes dessas empresas/firmas vendedoras de dados, como RapLeaf e a InfiniGraph, que “ouviam” as conversas on-line dos consumidores em fóruns de discussão da internet para descobrirem quais produtos eram mencionados favoravelmente.
A Target usava essas informações para e examinar padrões de compra, por exemplo, se notassem que você comprava cereal matinal, mas não comprava leite, para eles significava que você deveria estar comprando leite em outro lugar.
Honestamente, alguns pontos são muito interessantes para mim, que gosto e trabalho nessa área, nesse caso específico a Target enviava cupons de desconto de leite e outros produtos personalizado para esse cliente.
Não é preciso ser um gênio para saber que quando uma pessoa compra cereal, ela precisará de leite.
O mais interessante nesse caso era que não era preciso alterar o preço do leite na totalidade para bater de frente com a concorrência, mas sim direcionar cupons para esses clientes específicos.
Oportunidades escondidas nos dados
Porém, há questões muito mais difíceis e lucrativas para serem respondidas. A rotina de compra de uma pessoa pode mudar mais quando ela passa por um grande acontecimento na vida, como, por exemplo, se casar ou ter um bebê.
Foi realizando uma pesquisa em 2010 onde estimou que o pai ou mãe médio gastava em média $ 6.800 dólares em produto de bebê, antes do primeiro aniversário da criança.
O mais impressionante era que essa era apenas a ponta do iceberg das compras. Sabendo disso, a equipe de marketing junto ao Pole, analista de dados da Target queriam saber se era possível determinar quem estava grávida, mesmo se essa mulher não quisesse que ninguém soubesse.
O projeto de Pole foi identificar cerca de 25 produtos diferentes, por exemplo: loções, vitaminas, bolas de algodão e outros, que analisados separadamente eram compras que qualquer consumidor poderia realizar, porém, analisados em conjunto permitia, em certo sentido, criar uma pontuação de “previsão de gravidez”.
Sabrina Cabral, uma mulher de 27 anos, de Minas Gerais, comprou loção de manteiga de cacau, uma bolsa grande o bastante para servir como porta-fraldas, zinco, magnésio e um tapete rosa.
Há uma chance de 87% de que ela esteja grávida, e que seu parto esteja previsto para o final de Agosto.
Sim, é ao mesmo tempo, impressionante como absurdo pensar o quanto sua privacidade pode ser invadida somente pelo seu padrão de compras.
Esse projeto foi aplicado a todas as consumidoras da base de dados da Target e no final eles tinham uma lista de mulheres que estavam provavelmente grávidas e que a Target iria encher de propagandas.
Quando a empresa sabe mais do que você sobre o que acontece na sua casa
Bem, acontece que cerca de um ano depois que Pole criou esse modelo, um homem entra muito irritado em uma loja da Target e exige falar com o gerente. Já sabe onde essa história vai dar né?
Ele explica que a filha dele, que estava no ensino médio, havia recebido uma carta pelos correios, e em um tom muito agressivo questiona se eles estavam tentando incentivar a filha dele a engravidar.
O gerente da loja não fazia ideia do que ele estava falando, e procura se desculpar, alguns dias depois o gerente que ainda estava com a carta telefona para se desculpar novamente.
O homem responde ao gerente falando que, na verdade, ele que devia um pedido de desculpas e diz “Tive uma conversa com a minha filha. Pelo jeito, estão acontecendo coisas nesta casa das quais eu não sabia”.
Essa invasão de privacidade gerou um impacto um pouco negativo, tanto para a Target como para outras empresas.
Consumidores começaram a ficar com receio e tanto Pole como seus colegas sabiam das consequências de usar os dados para prever a gravidez de uma mulher.
Aqui surgiu uma questão: Como eles poderiam fazer com que esses anúncios chegassem as futuras mães, sem parecer um que fossem uma espionagem?
Como eles poderiam aproveitar dessas análises e descobertas dos hábitos de compras, sem deixar que a pessoa soubesse que estavam vigiando detalhes de suas vidas?
Atualmente, em 2024, as empresas estão mais adequadas a LGPD, e a própria Target aprendeu com esse caso de invasão de privacidade.
A mudança foi inserir nos anúncios outros produtos, misturando com coisas que eles sabiam que uma mulher grávida nunca compraria, fazendo parecer que os anúncios de coisas para bebês fossem aleatórios.
Com grandes poderes, vem grandes responsabilidades!
Quando li o livro O Poder do Hábito, achei incrível saber como os hábitos influenciam nossas vidas, tanto de maneiras positivas como negativas.
Entendi que existem certos padrões na nossa forma de agir, e isso pode ser detectado através dos dados.
Esse capítulo em questão chamou muito a minha atenção, tanto na maneira como a identificação desses padrões pode influenciar os negócios, quanto nos perigos dessa invasão de privacidade.
“Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”, essa frase dita pelo Tio Ben no Homem-Aranha de 2002 por Sam Raimi realmente se encaixa aqui.
De certa maneira, penso eu, que ainda estamos dando os primeiros passos na área de dados. Sei que muitas pessoas já trabalham nessa área há bastante tempo, mas para muitas outras é algo muito novo.
As informações sobre a área de dados estão se tornando cada vez mais acessíveis, e mais pessoas têm demonstrado interesse em explorar esse campo. No entanto, mesmo com a crescente disponibilidade de conteúdo, o Brasil ainda enfrenta desafios significativos.
Além disso, há muita desinformação sobre o que realmente faz um profissional de dados. Termos como “cientista de dados“, “analista de dados” e “engenheiro de dados” são frequentemente confundidos, o que dificulta a compreensão do mercado e a formação de novos talentos.
Essa falta de clareza contribui para o atraso na capacitação de profissionais e na adoção estratégica de dados por parte das empresas.
E acredito que isso pode atrasar os avanços do que podemos alcançar e fazer com a Ciência de Dados, além do que podemos ou não fazer com as informações e insights que podemos gerar a partir dos dados.
Isso cria um alerta para pensarmos mais sobre a ética na utilização dos dados. Muitos vão falar sobre a LGPD, mas como penso e disse, acredito que muito mais pode ser alcançado quando se sabe utilizar os dados.